Desde a minha adolescência, visualizando a entrada no mercado de trabalho, tinha como meta minha autonomia. Sempre me imaginei trabalhando para mim e não visualizara trabalhar para terceiros, me permitindo decidir por quanto tempo deveria trabalhar diariamente e para quem oferecer o meu trabalho.

Refletindo sobre minha vida social e profissional, percebo que nunca tive muito tempo para pensar(lembrar) que eu sou uma mulher e negra. Na minha concepção, apenas EU.  Alguém que nasceu livre e para ser feliz. Simples assim! A sociedade, no entanto, não me deixa esquecer um só minuto que sou mulher e negra. Hoje, com o agravante de ser longeva.

É impressionante a necessidade que muitas pessoas tem em excluir, desmerecer e desvalorizar o tempo todo, principalmente a mulher negra. Ela pode estudar, se empenhar, se dedicar, ser ética e competente, mas quando um outro profissional, independentemente da área de atuação, a encontra, desenvolvendo uma atividade profissional, com exceção de trabalho doméstico, (babá, faxineira, arrumadeira, cozinheira, serviçal….) desconfiam de sua capacidade intelectual, sócio cultural e profissional, no meu caso, contadora de formação, atuante por mais de 30 anos na área contábil, hoje,  educadora Financeira Comportamental.

Educação e educação

Fui criada muito livre, tive uma educação oferecida por pais politizados, autodidatas e visionários. Minha mãe, (Wanda Jacino) era   feminista e como tal me criou de forma a saber que eu responderia por minhas ações. Me ensinou quanto a assumir total responsabilidade por meus atos, decisões e, inclusive, quanto a utilização responsável e saudável de meu próprio corpo. Com um discurso de que “nascera em um país livre e poderia ser o que desejasse, não esquecendo a importância de ser educada …educação social (regras sociais, etiqueta e boas maneiras….)  e educação formal (escolar, acadêmica)”. Essa orientação norteou minha vida, minhas escolhas, minhas indignações, minhas brigas que foram muitas, principalmente ao me tornar mãe e ter que defender meus filhos da agressão gratuita “dessa (pseudo) sociedade onde estamos inseridos”.

Quem precisa de regras?

Hoje, longeva, saudável, bem informada, profissionalmente ativa, experiente e dedicada a atividade de Educadora Financeira Comportamental, faço uma releitura das agressões diárias sofridas; dos “não” desnecessários; da discriminação quanto ao fato de ser mulher, negra, mãe, sozinha e sócia proprietária de um escritório de assessoria contábil moderno, bem equipado e com funcionários devidamente registrados.

Todas as orientações, regras e princípios de um profissional da área contábil, eu segui a risca e acreditava, acredito até então, que são regras e orientações que padronizam e orientam quanto as posturas necessárias com o intuito de uniformizar os procedimentos das distintas categorias profissionais.

Ledo engano, como uma pessoa negra e mulher, custei a perceber que para mim, as regras eram (e ainda são) outras, apesar de sozinha, pois ficara viúva muito cedo, com três filhos, todos pequenos, quando o mais velho tinha apenas 14 anos.

Para cada um, uma regra diferente

O mais incrível é que uma mulher branca em condições similares, lutando pela vida de forma honesta como eu fazia e cuidando dos filhos, seria vista como uma batalhadora e merecedora de respeito e consideração; afinal de contas, ficara desafortunadamente, viúva.  Ou, se eu fosse a tal doméstica, lavadeira, faxineira, copeira (sem desmerecer tais profissionais) as “patroas” teriam por mim mais compaixão, uma vez que além de preta ainda ficara viúva com três filhos para criar. Seria vista como mulher esforçada, corajosa, batalhadora. Podemos e devemos ajudá-la, dar o que comer e vestir aos seus “negrinhos”. Me dariam alguns “trapinhos”, roupas boas, apesar de serem usadas, oferecidas com “carinho”. Afinal, roupas limpinhas que foram usadas pelos filhos da patroa. E eu, na minha “natural “subserviência” estaria bem e agradeceria eternamente pelo carinho e atenção acreditando se tratar de pessoa sem preconceito algum, inclusive sempre me ajudara.

Mas, eu, uma mulher e negra, “ousava” olhar no olho e conversar no mesmo tom de voz e grau de conhecimento; sócia/proprietária de uma empresa….isso é demais!!! Quem você pensa que é; me perguntaram certa vez. Você é muito arrogante, me disseram outras tantas. Você acha que é branca?  Certa vez, acreditando tratar-se de um elogio; você até que está se mostrando competente, já pensou se você fosse branca, seria imbatível! E assim segui e sigo minha vida. Tive perdas materiais e financeiras significativas no decorrer da vida.  Insisti e persisto até hoje e infelizmente, nada mudou; a sociedade continua me olhando de soslaio esperando o melhor momento para me dar uma rasteira, sem dó nem piedade.  Quanto mi, mi, mi!!! Note-se;  mi … mi … mi … é a dor do outro.

É tempo de refletir

Estamos em meio a pandemia (COVID 19 /2020) situação nunca imaginada por nenhum de nós. Pandemia essa que afeta todas as pessoas do planeta, sem exceção. Direta ou indiretamente estamos expostos a esse “inimigo mortal”, invisível, traiçoeiro que provoca medo, pânico, angustia, desalento e muita insegurança.

Diante desse triste fenômeno, as “mazelas” humanas foram expostas. A sociedade nunca esteve tão “nua”; absurdamente “nua”. As“intimidades” foram escancaradas e a miséria de toda ordem; doenças físicas, mentais, psicológicas e principalmente doenças espirituais tão propagadas, quando identificadas são “curadas” por padres, pastores, monges, gurus. São negociadas.

Toda a  mazela humana, sem qualquer pudor está exposta no grande palco desse teatro chamado sociedade. As cortinas não podem fechar, o número de “artistas” é grande: são malabaristas, farsantes, enlouquecidos, ladrões, (de corações, bolsas, bolsos, bancos, … ladrões de sonhos) em número muito grande,  não permitindo que o intervalo entre os atos se faça possível.   Único ato, é a ordem!

Eu, você, “simples mortais” observamos, apostamos, contribuímos, aprendemos e acreditamos. E nesse “baile” da vida, onde  cada um tem o seu convite de participação do “Show” (de horrores) tem uma conotação e escancaradamente há uma seleção “pré conceituosa” sem qualquer critério lógico que nos norteie, seguimos numa “corda bamba”, acreditando que conseguiremos chegar, mesmo sem saber exatamente aonde..

E mesmo trôpegos estamos vivos e precisamos avançar, preferencialmente sem olhar para trás, porque esse simples gesto pode nos condenar a não chegarmos inteiros ao final dessa estrada disforme e sem qualquer luz.

Todo dia um recomeço

Eu vivo. Eu deixo viver.  Me deixem viver. Parem de se preocupar com a cor da minha pele, com o meu cabelo, com as minhas curvas ou falta delas, com o meu conhecimento ou falta dele, com as minhas conquistas.  Se não quer me apoiar, sem problemas; me deixe continuar, não bloqueie o meu caminho, não fique na frente sem um propósito, me deixe passar, avançar, seguir. Eu sempre dei a volta por cima, no entanto não me habilito passar por cima de ninguém, porém, também não estou mais disposta a levar tapinha nas costas. Basta de tanta covardia! Eu vou seguir em frente independentemente do que você pensa a meu respeito, até mesmo porquê o que você pensa de mim é problema seu e não meu, uma vez que eu não tenho dúvida de quem sou, eu não penso que sou. Eu Sou Eu., simples assim….

 

Janina Jacino
@finançassemfronteira
15/05/2020

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